Prevalência da telemedicina e da telessaúde em hospitais da América Latina
Por Daniela Chueke Perles
A saúde eletrônica começou a ser adotada gradualmente na América Latina há quinze anos. Essa solução só havia se consolidado em alguns poucos países até o dramático surto da pandemia de Covid-19 – que acelerou a adoção da telemedicina em resposta às restrições às consultas médicas presenciais.
Com as medidas de combate à Covid-19, que forçaram mais de três bilhões de pessoas a manter distanciamento físico e ficar em isolamento social ou quarentena, levaram ao fechamento de fronteiras e provocaram limitações de transporte, entre outros impactos, as tecnologias de informação de uso frequente, que têm alta penetração – sobretudo o telefone celular –, revelaram-se um dos principais meios para permitir que indivíduos, governos e instituições de saúde pudessem trabalhar, interagir, compartilhar informações, colaborar, gerar conhecimento e se comunicar. A pandemia demonstrou, de forma definitiva, o potencial das tecnologias da informação e comunicação (TIC) no setor da saúde. Os dois anos de pandemia evidenciaram a importância da telemedicina e da telessaúde para viabilizar e sustentar a continuidade dos serviços de atendimento, principalmente no que se refere ao tratamento de doenças crônicas não transmissíveis e diversas condições de saúde mental.
Hoje, a tendência mostra claramente que os atores do setor de saúde da região já sabem que a introdução das TIC em geral e da telemedicina em particular produz melhorias inestimáveis no acesso aos serviços de saúde, bem como na qualidade e eficiência de todos os sistemas de saúde, com seus consequentes benefícios econômicos e sociais. A forma de acessar a saúde foi uma das áreas que mudou radicalmente com a pandemia, gerando um crescimento sem precedentes no setor. No entanto, a penetração da telessaúde na região ainda é lenta e não atingiu todo o seu potencial. Algumas das preocupações que dificultam a aceleração da telemedicina são uma possível ruptura da relação médico-paciente e entre profissionais de diferentes especialidades, a perda de qualidade no atendimento, questões regulatórias e dúvidas quanto à precisão dos registros do prontuário eletrônico.
Evolução da adoção da telemedicina
Atualmente, o acesso remoto a diagnósticos e diversos tratamentos de saúde já virou realidade para os pacientes da região, graças à telemedicina. Embora em número insuficiente, são muitas as soluções de telessaúde já em funcionamento nos países latino-americanos e, apesar da aceleração dos cuidados de saúde remotos em decorrência da pandemia de Covid-19, ainda há um longo caminho a percorrer.
Em 2022, o mercado global de telemedicina superou a marca de US$ 224 bilhões. Os novos canais de comunicação digital, avanços da inteligência artificial, políticas públicas e a necessidade de reduzir custos nos sistemas de saúde impulsionam o crescimento de um setor que chegará a US$ 400 bilhões em 2027.
Particularmente na América Latina, devido às grandes distâncias, as teleconsultas médicas tornam-se uma promessa para melhorar o acesso à saúde das populações que vivem em regiões afastadas dos grandes centros. Por isso, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) apoia a comunicação a distância por meio de seu programa de Colaboração Virtual, oferecendo capacitação no conhecimento e uso de diferentes ferramentas virtuais e colaborando com aqueles que precisam usar essas ferramentas para levar conhecimentos em saúde onde eles mais são necessários. Internamente, para realizar reuniões remotas, a OPAS conta atualmente com mais de 900 salas virtuais, que seus funcionários utilizam para prestar cooperação técnica. “Com a pandemia, o modelo de colaboração virtual se consolidou na OPAS, permitindo satisfazer as necessidades dos países ao oferecer atividades para a maioria das nações das Américas e do Caribe”, afirma Myrna Martí, especialista em redes, cooperação técnica e associações da Organização Pan-Americana da Saúde.
Avanços da telemedicina na região
Nos primórdios da telemedicina, abrangendo o período do final dos anos 80, início dos anos 90 e meados de 2000, os projetos de telemedicina que surgiram na América Latina e no Caribe consistiam basicamente em estratégias individuais, adotadas por organizações privadas ou profissionais formados em ciência da computação que viram nas incipientes tecnologias de informação ferramentas que poderiam facilitar processos como o teleatendimento, o telediagnóstico ou o acompanhamento remoto em intervenções cirúrgicas.
Como aponta Myrna Marti: “Nesse período, os Estados não se apropriaram do uso de tecnologias para facilitar o acesso à saúde e ignoraram essas iniciativas”. Por outro lado, nos últimos anos, e principalmente a partir da crise da Covid-19, os Estados nacionais passaram a incorporar essas soluções a suas políticas e estratégias sanitárias com o objetivo de instituir um marco regulatório para projetos de telemedicina dos países, permitindo a adesão e participação de iniciativas individuais.
México
O México conta com o Centro Nacional de Excelência Tecnológica em Saúde (CENETEC-Salud), que atua na área de telemedicina. Trata-se de um órgão descentralizado do Ministério da Saúde, designado em 2009 como centro colaborador da OMS, vinculado diretamente à Subsecretaria de Integração e Desenvolvimento do Setor Saúde.
Criada em janeiro de 2004, a entidade busca responder à necessidade do sistema de saúde mexicano de contar com informações sistemáticas, objetivas e baseadas nas melhores evidências disponíveis sobre a gestão e o uso adequado de tecnologias em saúde para subsidiar a tomada de decisões e o uso otimizado de recursos. No site do CENETEC-Salud o usuário encontra o Observatório de Telessaúde do México, que disponibiliza informações atualizadas sobre os projetos implementados em todo o território mexicano destinados à prestação de serviços de telemedicina a diferentes grupos populacionais. Sete entes federativos do país desenvolvem projetos de telemedicina: México, Guerrero, Nayarit, Nuevo León, Querétaro, San Luis Potosí e Zacatecas. Outras instituições de saúde pública, como o Instituto Mexicano de Seguridade Social (IMSS) e o Instituto de Segurança e Serviços Sociais dos Trabalhadores do Estado (ISSSTE), atualmente possuem programas de telessaúde ou telemedicina em vigor. Por outro lado, alguns institutos nacionais de saúde e hospitais gerais da Cidade do México implementaram o serviço de teleconsultas ou aconselhamento médico remoto com o objetivo de dar continuidade ao atendimento de pacientes que necessitam de controle ou acompanhamento de médicos especialistas.
Brasil
O Brasil possui um dos sistemas de telemedicina mais abrangentes e maduros da América do Sul. A Rede Universitária de Telemedicina (RUTE) foi iniciada em 2006, quando hospitais universitários foram interligados em uma rede de telemedicina para oferecer atenção primária à saúde. Atualmente em seu 17º ano de atividade, o programa conta com 140 unidades operacionais em todo o Brasil e 50 Grupos de Interesse Especial (SIG).
Além de criar formalmente núcleos de telemedicina, a RUTE também apoia a realização de videoconferências, análises diagnósticas, segundas opiniões, educação médica continuada e conferências virtuais entre hospitais universitários e universidades. Sua implementação gera impactos científicos, tecnológicos, econômicos e sociais para os serviços médicos existentes. Isso permite a adoção de medidas simples e de baixo custo, como sistemas de análises de imagens médicas com diagnóstico remoto, que podem contribuir significativamente para a redução da escassez de especialistas e facilitar a formação e qualificação de profissionais médicos sem a necessidade de deslocamento até os centros de referência.
No âmbito governamental, existe o Programa Telessaúde Brasil Redes, uma iniciativa nacional desenvolvida em todo o sistema de saúde que busca melhorar a qualidade da assistência e da atenção primária no Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da teleassistência e teleducação. O programa começou a ser executado em 2007 para melhorar a qualidade do atendimento na atenção básica do SUS, com resultados positivos na solução do primeiro nível de atenção; economia de custos e tempos de deslocamento; contato com profissionais de saúde em locais de difícil acesso geográfico; e agilidade na prestação de serviços e otimização dos recursos do sistema como um todo, beneficiando cerca de 10 milhões de usuários do SUS.
Argentina
Na Argentina, o Hospital Pediátrico Garrahan iniciou o primeiro programa de telemedicina do país em 1997. O projeto, denominado Referência-Contrarreferência, institui núcleos de saúde em nível provincial e regional, buscando promover a igualdade de acesso a consultas com médicos especializados. Desde que foi implementado, 80% dos pacientes não precisaram se deslocar até o hospital, localizado na Cidade Autônoma de Buenos Aires.
Outra instituição pioneira no uso das tecnologias da informação e comunicação na gestão da saúde é o Hospital Italiano de Buenos Aires, que conta com um Departamento de Informática em Saúde formado por mais de 150 profissionais e que administra o programa de residência em medicina informática para médicos e enfermeiros. Esse departamento vem desenvolvendo vários projetos de telemedicina. Atualmente, a equipe está avaliando uma aplicação que permite a realização de exercícios de reabilitação no domicílio do paciente (telereabilitação), utilizando sensores de movimento semelhantes aos utilizados nos consoles de videogames. Por outro lado, a instituição disponibiliza um programa de atendimento síncrono (teleconsultas) por meio de videoconferência, utilizando o portal do paciente para realizar a consulta e permitir o acesso ao prontuário eletrônico, e um programa de atendimento assíncrono para consultas dermatológicas.
Em termos de aplicações diagnósticas, os especialistas em diagnóstico por imagem realizam há vários anos a telerradiologia, que consiste na elaboração e emissão de laudos de exames de forma remota, fora do ambiente hospitalar. No caso da anatomia patológica, são disponibilizadas também soluções para a visualização online de preparados microscópicos em centros cirúrgicos, permitindo a consulta a especialistas para colaborar com a decisão cirúrgica no momento preciso.
Qual será o impacto da telemedicina nos hospitais?
A telemedicina tem o potencial de reduzir os dias de internação e, com a adoção de diferentes estratégias de empoderamento do paciente, melhorar os controles por meio do monitoramento remoto dos pacientes e do registro da ingestão de medicamentos (administração), que são dois difíceis pontos para a determinação da alta hospitalar. De uma perspectiva mais geral, se a prescrição digital (receita eletrônica com assinatura digital) fosse adotada, o profissional poderia prescrever receitas de qualquer lugar, validando de forma digital que se trata de um medicamento aprovado pela autoridade sanitária, e o paciente, por sua vez, poderia adquirir o medicamento em sua farmácia de preferência. A implementação das tecnologias da informação e comunicação melhora todo o ciclo de atendimento ao paciente. Existem também possíveis benefícios econômicos, possibilitados pela otimização de processos e digitalização de documentos.
Resta então analisar quais serão os efeitos desse avanço da telemedicina do ponto de vista do setor. Haverá mudanças na forma de se fazer negócios? O acesso aos tratamentos será ampliado? O setor deve explorar novos nichos de desenvolvimento, como aplicativos de saúde ou programas de teleassistência? São muitas as perguntas em aberto na indústria de equipamentos hospitalares e dispositivos médicos. A única certeza é que as respostas deverão fazer parte das principais discussões do setor.
Após uma revisão do panorama da telemedicina na região das Américas, a OPAS recomendou a adoção de medidas urgentes para que programas e políticas nacionais de telemedicina, incluindo o marco normativo e estratégico e orçamento necessários, sejam implementados de forma abrangente e interoperável e com o apoio de acadêmicos, redes colaborativas e instituições especializadas. Essas políticas devem gerar um ambiente propício que dê sustentabilidade aos avanços alcançados, considerando os aspectos mencionados em relação às possíveis barreiras.
O que vem a seguir para a telemedicina na América Latina?
Em conclusão, a pandemia de Covid-19 finalmente demonstrou que o uso de soluções digitais (principalmente as de uso generalizado e de baixo custo, incluindo as teleconsultas médicas) é uma realidade que veio para ficar. O desafio agora é realizar implementações eficientes, com fornecedores que conheçam o negócio e forneçam soluções eficazes e economicamente viáveis.
Por outro lado, foram observadas muitas mudanças de paradigma na relação médico-paciente e na prestação de serviços de saúde desde o início dos anos 2000. A maior proximidade proporcionada pela tecnologia mostrou o potencial e o atual ímpeto da telessaúde e, se for possível instituir um marco institucional e de segurança para profissionais e pacientes, a telemedicina trará muitas boas práticas e oportunidades de capacitação que facilitarão o acesso da população aos cuidados de saúde de que necessitam.
Ao mesmo tempo, ainda estamos longe da virtualização completa dos cuidados de saúde, e o atendimento presencial é essencial em certos atos médicos. Será preciso levar em conta as limitações da telemedicina e reconhecer quando devem ser realizadas consultas presenciais.
Atualmente, qualquer política de telessaúde deve ter como foco principal o impacto de sua implementação na melhoria do acesso à saúde e da qualidade de vida do paciente, sempre em condições que assegurem a sua segurança pessoal e a segurança e a confidencialidade de suas informações, e na continuidade dos cuidados, contribuindo assim para alcançar a universalidade da cobertura e do acesso à saúde de forma eficaz em termos de custos.
Para facilitar ainda mais a adoção de uma telemedicina efetiva na região, não há dúvida de que, em vez de começar do zero, a troca de experiências exitosas é uma estratégia mais adequada que favorece a redução de custos e de barreiras que possam impossibilitar a implementação devido a erros de cálculo. Os setores público e privado estão ávidos por conhecimentos e soluções comprovadas que gerem economia de tempo e recursos na implementação da telemedicina e telessaúde, algo que ainda não ocorreu em muitos países da região. Muitos hospitais de prestígio dos Estados Unidos, Europa, Canadá ou outros mercados podem oferecer os conhecimentos e a experiência de seus médicos a uma gama mais ampla de pacientes em toda a região da América Latina.
Próximos passos
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