Barreiras à adoção da telemedicina na América Latina após a pandemia de Covid-19 (Parte 1)
A pandemia de Covid-19 acelerou significativamente a adoção da telemedicina ao deixar de lado ou superar vários dos desafios inerentes à implementação de soluções de atendimento remoto de pacientes. Mas embora a pandemia tenha sido o grande impulsionador da adoção da telemedicina e da telessaúde, ainda existem várias barreiras que os sistemas de saúde precisam eliminar. Os administradores de saúde podem, no entanto, confiar na modalidade, já que a maioria das evidências mostra que ela é segura, eficaz e amplamente aceita.
Este artigo oferece um panorama atualizado da evolução da telemedicina após a pandemia de Covid no Brasil, Chile, México e Colômbia – quatro dos países que mais avançaram no campo da telemedicina e da telessaúde na América Latina –, identificando as barreiras que ainda impedem a integração completa dessa modalidade ao sistema de saúde.
Evolução dos países latino-americanos desde a pandemia de Covid-19
O Brasil implementou programas de telemedicina em diferentes áreas da saúde, incluindo a de atenção primária e especializada. A telessaúde tem sido usada para melhorar o acesso à assistência médica em áreas rurais e remotas, assim como em comunidades indígenas. Além disso, o país tem uma legislação específica para regulamentar a telemedicina.
O Chile conta com inúmeros programas e plataformas de telemedicina e telessaúde, sobretudo em áreas rurais e remotas. O país promoveu a implementação de tecnologias de informação e comunicação na área da saúde, como a teleconsulta e o telemonitoramento, por meio dos programas governamentais Salud Conectada (Saúde Conectada) e Telesalud (Telessaúde), entre outros.
O México impulsionou o uso da telemedicina e da telessaúde como parte de sua estratégia para melhorar a assistência médica e a acessibilidade. O país lançou programas como o Médico en tu casa (Médico na sua casa), que utiliza a telemedicina para prestar atendimento médico a pessoas que têm dificuldades para acessar serviços de saúde tradicionais.
A Colômbia já contava com normas relativas ao atendimento por telemedicina antes da pandemia, mas foi durante essa emergência sanitária que a disciplina se consolidou. Foram mais de 127 milhões de atendimentos entre teleorientações e teleconsultas, segundo dados publicados no site do Ministério da Saúde da Colômbia, que mostram o aumento do uso dessa modalidade de telemedicina em resposta aos efeitos da Covid-19. Além disso, a Colômbia desenvolveu políticas e regulações para promover a telemedicina e a telessaúde, implementando programas como o Mi Doctor (Meu Médico), que oferece consultas médicas virtuais por meio de aplicativos móveis.
Barreiras existentes
Em que pesem os grandes avanços na facilitação da infraestrutura e das oportunidades para a adoção da telemedicina e da telessaúde na América Latina, as barreiras originais ainda continuam a impedir que a telemedicina alcance todo o seu potencial na região. Essas barreiras são as seguintes:
Infraestrutura de conectividade limitada
A disponibilidade de uma conexão com a internet estável e rápida é fundamental para a realização de consultas médicas virtuais e a transmissão de dados médicos. A ausência de infraestrutura de conectividade confiável e de qualidade em algumas áreas rurais ou remotas pode dificultar o acesso a serviços de telemedicina. Um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), intitulado “Conectividade Rural na América Latina e no Caribe – Uma ponte para o desenvolvimento sustentável em tempos de pandemia”, constatou em 2020 que pelo menos 77 milhões de habitantes de áreas rurais não têm acesso a uma conexão de internet de qualidade. Enquanto 71% da população urbana da América Latina e do Caribe dispõe de opções de conectividade, essa porcentagem cai para menos de 37% entre a população rural, uma diferença de 34 pontos percentuais que mina um imenso potencial social, econômico e produtivo. No total, 32% da população da América Latina e do Caribe – ou 244 milhões de pessoas – não têm acesso a serviços de internet. A disparidade em termos de conectividade é mais pronunciada quando se faz a distinção entre população urbana e rural, chegando em alguns casos a uma diferença de 40 pontos percentuais. Do total de pessoas sem acesso à internet na região, 46 milhões vivem em zonas rurais.
Hiato digital e acesso desigual à tecnologia
Além da lacuna de conectividade, a desigualdade entre as populações vulneráveis e abastadas da América Latina se reflete no hiato digital que existe tanto em termos de ferramentas tecnológicas como de conhecimentos. Esse fator pode representar um desafio para a adoção generalizada da telemedicina. Em países que registram altos índices de pobreza na sua população, há um acesso limitado a dispositivos tecnológicos como smartphones, computadores ou tablets, o que limita a sua capacidade de participar em consultas virtuais. Além disso, alguns grupos populacionais, como o de idosos ou pessoas de baixa renda, podem ter dificuldades para se adaptar ao uso de novas tecnologias.
Resistência à mudança e preferência pela assistência médica tradicional
Algumas pessoas podem ter uma preferência arraigada pela assistência médica tradicional, que envolve visitas físicas a um consultório médico. A falta de conhecimento sobre os benefícios da telemedicina e da telessaúde, bem como a falta de confiança na qualidade do atendimento médico virtual, pode constituir uma barreira à adoção dessas modalidades.
Privacidade e segurança dos dados
A preocupação com a privacidade e segurança dos dados médicos é uma questão importante em qualquer contexto de assistência médica – e com a telemedicina não é diferente. A falta de confiança na proteção das informações pessoais e médicas pode ser um obstáculo para que as pessoas compartilhem seus dados através de plataformas de telemedicina.
Reembolso e modelo de pagamento
Em alguns países da América Latina, os sistemas de saúde e seguros médicos podem não estar adaptados para cobrir ou reembolsar adequadamente os serviços de telemedicina. A falta de um modelo de pagamento claro e de uma estrutura de reembolso pode dissuadir os provedores de serviços de saúde de adotar a telemedicina como prática comum.
Na próxima parte deste artigo, analisaremos se as barreiras mencionadas foram superadas e algumas das estratégias que podem ser aplicadas para uma implementação eficaz da telemedicina e da telessaúde na América Latina.