A pandemia agiliza os trâmites regulatórios no setor médico latino-americano

Leonardo SemprunEntrevista com Leonardo Semprun
Diretor Sênior de Política Regulatória Global
MSD

 

Leonardo Semprun, diretor sênior de política regulatória global da MSD, revela quais foram as mudanças implementadas nas agências reguladoras de medicamentos e dispositivos médicos e como essa experiência lhes permitiu acelerar o processo de aprovação de inovações, garantindo, ao mesmo tempo, a segurança na América Latina.

Por Daniela Chueke Perles

Líder mundial em cuidados com a saúde, a empresa farmacêutica norte-americana MSD (Merck, Sharp & Dohme) realizou recentemente seu 19º Seminário Latino-Americano sobre Jornalismo em Ciência e Saúde na cidade de Buenos Aires. A Global Health Intelligence (GHI) conversou com Leonardo Semprun, responsável pelas políticas regulatórias globais da farmacêutica, que revelou as mudanças nos processos de aprovação de medicamentos e dispositivos médicos que mudaram as regras do jogo em termos do acesso às inovações científicas.

A necessidade de responder rapidamente a situações de emergência durante a pandemia fez com que as agências reguladoras se adaptassem, agilizando seus processos. O aprendizado é que, em muitos casos, as habilidades adquiridas pelas agências podem ser sustentadas ao longo do tempo.

GHI: Você mencionou que várias circunstâncias ou mecanismos simplificaram a forma como os medicamentos foram aprovados durante a pandemia. Podemos mencionar algum medicamento em particular, além das vacinas para Covid-19, que tenha se beneficiado dessa nova dinâmica regulatória? Em sua opinião, que tipos de medicamentos mais poderiam se beneficiar desses planos de agilidade regulatória? E para quais isso não se aplicaria?

Leonardo Semprun: Durante a pandemia, vimos essas agilidades serem colocadas em prática. A agilidade regulatória propriamente dita é uma prática que não existia antes, tendo surgido no contexto da Covid. Dessa forma, os produtos aprovados nessa janela de tempo mais curta foram em sua maioria aqueles relacionados às necessidades de saúde pública decorrentes da pandemia, sobretudo mecanismos de diagnóstico e teste. Quanto às vacinas dos laboratórios desenvolvedores que foram aprovadas na época, muitas empresas latino-americanas receberam autorização de uso emergencial. O uso de emergência é uma autorização especial. Não é uma licença de registro, mas uma maneira facilitada de tomar uma decisão regulatória. Obviamente, tudo isso foi feito com base em análises de riscos, sempre preservando a segurança, a qualidade e a eficácia dos produtos.

GHI: Houve algum avanço regulatório em termos de tratamentos do câncer?

Leonardo Semprun: Durante a pandemia, também ficou claro que o câncer era uma patologia que precisava ser coberta e exigia um certo tipo de atenção. Não tenho conhecimento de nenhum procedimento específico durante a pandemia, mas sei que essa colaboração internacional levou ao desenvolvimento de iniciativas globais centradas na ampliação do acesso a produtos oncológicos. Uma dessas iniciativas é o Projeto Orbis, que consiste em um mecanismo de avaliação conjunta entre agências mundiais de vigilância sanitária. E temos uma experiência muito positiva na região, graças à participação do Brasil em iniciativas desse tipo. Embora já existisse antes da pandemia, acho importante citar o Projeto Orbis por ser um mecanismo ágil que demonstrou ter muitos benefícios. Então, respondendo à sua pergunta: sim, a agilidade regulatória teve como foco especificamente tratamentos relacionados à Covid-19. Durante a pandemia, pudemos ver como as agências reguladoras emitiam comunicados, circulares e diretrizes que foram expandindo seu espectro de ação.

GHI: As agências reguladoras trabalharam mais do que o normal durante a pandemia?

Leonardo Semprun: Sem dúvida. E precisaram enfrentar ainda outro desafio: o fato de que, na América Latina, muitas dessas interações com fabricantes ou empresas costumavam ser presenciais. Em outras palavras, na prática, não havia ninguém para nos dizer como as coisas deveriam ser feitas e, obviamente, houve um período de adaptação. Os procedimentos regulatórios antes da Covid geralmente começavam com a apresentação de toda a documentação física, e a grande mudança durante a pandemia foi a introdução de mecanismos eletrônicos digitais para a entrega de arquivos e certidões.

GHI: Mas nem todos os países latino-americanos estavam preparados…

Leonardo Semprun: Existe um caso muito interessante que podemos citar nessa área, que são os certificados de produtos farmacêuticos. Esses certificados são usados para demonstrar a aprovação da agência de vigilância sanitária de um país. A FDA e a EMA emitem certificados de produtos farmacêuticos, que são então adotados pelas agências nacionais. Em outras palavras, existe um convênio com a OMS. Existe todo um acordo. Esses certificados têm uma documentação própria. Durante a pandemia, a Agência Europeia de Medicamentos emitiu certificados eletrônicos. Foi um grande avanço, já que esses certificados costumavam chegar pelo FedEx com a documentação física, mas, a partir daquele momento, passaram a poder ser transmitidos eletronicamente. É uma melhoria significativa.

GHI: Uma vez superada a natureza excepcional da pandemia, esses novos procedimentos de aprovação eletrônica permanecerão em vigor?

Leonardo Semprun: Agora estamos fazendo pressão junto às associações. Faço parte do Conselho Internacional sobre Harmonização de Requisitos Técnicos para o Registro de Produtos Farmacêuticos para Uso Humano (mais conhecido como ICH, na sigla em inglês), que é uma rede que trabalha com a Federação Europeia de Medicamentos, e estamos empenhados em incentivar a adoção da certificação eletrônica.

GHI: Em suma, quais foram as mudanças ou lições aprendidas com a pandemia em termos de processos regulatórios?

Leonardo Semprun: Existem muitas práticas dentro da agilidade regulatória, mas a principal delas é a reliance (confiança). Os usos emergenciais são critérios baseados em reliance, porque se baseiam no reconhecimento das decisões de outros atores, embora não constituam um cadastro sanitário propriamente dito. Há uma distinção que precisa ser feita aqui: o uso emergencial é temporário. De fato, quando a pandemia começou a dar sinais de enfraquecimento e alguns países declararam que a situação estava melhorando, o uso emergencial foi descontinuado, pois entende-se que é apenas para emergências de saúde.

Latin American regulatory systems

O que é o conceito de reliance e como ele pode fortalecer os sistemas regulatórios latino-americanos?

A Federação Latino-Americana da Indústria Farmacêutica define reliance como o ato pelo qual as agências reguladoras nacionais de uma jurisdição, para tomar suas próprias decisões, podem levar em conta e atribuir peso significativo às avaliações realizadas por outra agência reguladora, outra instituição confiável ou qualquer outra fonte autorizada de informações. A autoridade que usa essas informações permanece independente e é responsável pelas decisões tomadas, mesmo quando baseadas nas decisões e informações de terceiros. Reliance é uma prática que se baseia nas boas práticas regulatórias para promover um processo regulatório robusto e eficiente aplicável aos produtos médicos. Nos últimos anos, as autoridades reguladoras da América Latina e do Caribe passaram a adotar diferentes formas de reliance, sobretudo no contexto da pandemia de Covid-19.

De acordo com Leonardo Semprun, a América Latina adotou bem a abordagem de reliance nos últimos anos. “Houve uma conscientização sobre a importância dessa estratégia, algo que vem com o endosso da OMS, que é a entidade responsável por ditar as boas práticas regulatórias. A Organização Pan-Americana da Saúde também trabalhou em mesas-redondas técnicas com diferentes agências reguladoras”, entre as quais a mexicana COFEPRIS.

A entrada do México no ICH

O Conselho Internacional sobre Harmonização de Requisitos Técnicos para o Registro de Produtos Farmacêuticos para Uso Humano (ICH, na sigla em inglês) é uma rede que reúne autoridades reguladoras de diferentes países, juntamente com empresas da indústria farmacêutica, para discutir questões científicas e técnicas relativas a produtos farmacêuticos e desenvolver diretrizes de ação. Criada em 1990, a entidade tem como missão garantir que medicamentos seguros, eficazes e de alta qualidade sejam desenvolvidos, registrados e mantidos com o máximo de eficiência. Em novembro de 2021, o México tornou-se membro do ICH, que é o mais alto fórum regulatório mundial, sendo o único país de língua espanhola e o quarto da região das Américas (somente Canadá, Estados Unidos e Brasil fazem parte do ICH).

 

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