O futuro dos biofármacos na América Latina: expansão dos ensaios clínicos e aumento da produção
Guillaume Corpart
Embora não sejam uma tecnologia médica nova, os biofármacos, também conhecidos como medicamentos biológicos, avançaram significativamente nos últimos anos e seguem ampliando seu potencial no tratamento de doenças como câncer e diabetes, entre outras. Diferentemente dos medicamentos tradicionais, que são produzidos por meios químicos e compõem-se de pequenas moléculas, os biofármacos são desenvolvidos a partir de células vivas, proteínas, tecidos ou ácidos nucleicos. Em geral, compõem-se de moléculas maiores que os fármacos tradicionais e com frequência são ministrados através de injeções.
Biofármacos em detalhe
Os biofármacos ganharam destaque há alguns anos com o rápido desenvolvimento da vacina contra a Covid-19, mas esse não é o único tipo de medicamento biológico de uso generalizado atualmente. Os diferentes tipos de biofármacos incluem:
- Um dos primeiros fármacos biológicos a serem desenvolvidos, as vacinas têm contribuído para a erradicação de doenças no mundo inteiro, como varíola e sarampo, entre outras.
- Anticorpos monoclonais (AcMs). Esses fármacos imitam o sistema imunológico e atuam sobre proteínas específicas para bloquear sua atividade ou destruí-las. São usados no tratamento de doenças autoimunes e alguns tipos de câncer.
- Terapias genéticas. Trata-se de medicamentos capazes de curar ou tratar doenças genéticas ou infecciosas por meio da introdução de material genético nas células do paciente. Têm sido usados no tratamento de doenças da retina e atrofia muscular espinhal, entre outras.
- Terapias celulares. Essas terapias incluem os transplantes de células-tronco e envolvem a modificação de células para melhorar ou restaurar sua função. Podem ser usadas no tratamento de leucemia, linfoma e outros transtornos degenerativos.
- Proteínas recombinantes. Essas proteínas são produzidas em células vivas e incluem enzimas, hormônios e citocinas usados no tratamento de doenças como hemofilia e diabetes, entre outras.
Panorama das vacinas na América Latina
No passado, a América Latina sofria com grande dependência de outras regiões para o fornecimento de vacinas e outros biofármacos. A situação se complicou com a pandemia de Covid-19, quando apenas 15% das vacinas tinham produção local, levando alguns países, como Guatemala, Venezuela e Honduras, a registrar taxas de vacinação inferiores a 25% em outubro de 2021.
Felizmente, a região encarou a experiência como um momento de aprendizado e vem adotando medidas importantes para relaxar exigências regulatórias e incentivar a produção de vacinas e outros fármacos. Em setembro de 2021, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) aprovou o Programa Especial, Plataforma Regional de Inovação e Produção, que tem como objetivo ampliar a capacidade de produção de medicamentos e tecnologias médicas essenciais em toda a América Latina. O Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (PROSUL) é outra entidade que vem incentivando a implementação de iniciativas similares.
Esses esforços já começam a dar frutos na região. Em julho de 2024, por exemplo, o laboratório brasileiro Bio-Manguinhos/Fiocruz passou a integrar a rede de fabricantes de vacinas da Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI) para ajudar a desenvolver respostas mais rápidas e equitativas a futuras ameaças infecciosas. O movimento parece ter dimensões regionais e a expectativa é que o mercado de vacinas em países como México, Colômbia e Chile, entre outros, apresente crescimento nos próximos anos. O quadro abaixo oferece uma visão mais detalhada da situação.

Relaxamento de exigências regulatórias relativas a outros biofármacos
Além das vacinas, as agências reguladoras latino-americanas vêm adotando iniciativas para acelerar e tornar mais eficiente o processo de aprovação de biofármacos, o que deve gerar um ambiente mais favorável para as empresas que pretendem lançar medicamentos nesses mercados.
No Brasil, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) adotou em 21 de janeiro deste ano uma nova resolução que simplifica o processo de introdução de produtos biológicos, incluindo vacinas, radiofármacos e medicamentos genéricos. A resolução também facilita a tramitação de correções, novas indicações, retiradas e outros processos relacionados com produtos farmacêuticos. Para poder recorrer a esse processo simplificado, as empresas devem ter ao menos um outro medicamento ou produto biológico já aprovado no mercado brasileiro.
Outros países latino-americanos, como República Dominicana e Colômbia, anunciaram iniciativas similares nos últimos meses. Em julho de 2024, a Argentina anunciou diversas medidas para relaxar normas que restringiam a atividade no segmento, incluindo a autorização para a comercialização de mais medicamentos genéricos, a redução de barreiras à abertura de novas farmácias e a permissão para que medicamentos que não exigem receita médica sejam vendidos em outros estabelecimentos, além de drogarias.
Por sua vez, o México adotou medidas para incentivar a realização de pesquisas clínicas e ampliar o acesso a medicamentos genéricos e biossimilares. É importante observar que as iniciativas mexicanas não têm uma dimensão estritamente local, visando também a oferta desses medicamentos em mercados como o dos Estados Unidos. Isso indica que os laboratórios farmacêuticos poderão contar nos próximos anos com mercados mais favoráveis e abertos a medicamentos novos ou versões genéricas.
Ampliação da produção
Como assinalam essas mudanças regulatórias, a América Latina está extremamente comprometida com o desenvolvimento do mercado de biofármacos, e as iniciativas adotadas começam a render frutos. O Centro para o Desenvolvimento Global observa que muitos países de renda média, incluindo o Brasil, já se tornaram atores fundamentais no fornecimento mundial de vacinas. Conforme a produção na região continue a aumentar, é possível que mais países também venham a se tornar atores importantes no mercado global de vacinas.
Outro fator a ser considerado na ampliação da produção de biofármacos na América Latina é o papel dos biossimilares e dos medicamentos genéricos. Com a elevação dos preços dos medicamentos especiais, o acesso a alternativas genéricas mais baratas tornou-se fundamental para muitas pessoas que necessitam desses fármacos na região. O relaxamento de restrições regulatórias em países como Brasil, Argentina e Colômbia, entre outros, garantiu maior agilidade para o lançamento de medicamentos genéricos no mercado.
Além disso, com a expansão do mercado desses fármacos na América Latina, ampliou-se o número de profissionais competentes em busca de trabalho no segmento. Muitos estudantes atualmente optam pela carreira em biotecnologia, gerando um influxo de cientistas e outros profissionais capacitados, impulsionando ainda mais as inovações na área.
O quadro abaixo oferece uma visão mais detalhada do crescimento do setor biofarmacêutico na América Latina:

Ensaios clínicos na América Latina
Uma consequência do crescimento do setor de biofármacos na América Latina é a proliferação de ensaios clínicos na região. Atualmente, a América Latina é o quarto maior mercado do mundo para ensaios clínicos e busca quadruplicar a participação nos próximos anos. Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru concentram cerca de 70% dos ensaios clínicos realizados na região.
Os especialistas citam a diversidade da população de pacientes, os custos operacionais mais baixos e o aprimoramento do marco regulatório como motivos que levaram à expansão substancial dos ensaios clínicos na região. Esse desenvolvimento tem contribuído para ampliar ainda mais o papel crescente da América Latina como polo de inovação no segmento de biofármacos.
Principais conclusões para as empresas do setor de saúde
Com o relaxamento das restrições e as medidas adotadas para ampliar a produção e os ensaios clínicos em toda a América Latina, os laboratórios farmacêuticos estão bem posicionados para aproveitar, nos meses e anos que vêm pela frente, essas mudanças no mercado e no contexto regulatório.
Se a sua empresa é uma grande multinacional farmacêutica, com presença significativa nos mercados da região, tudo indica que o seu crescimento terá continuidade, graças aos processos mais eficientes que muitos países estão implementando na análise, aprovação e introdução de medicamentos no mercado. Para esses grandes laboratórios, os próximos anos podem apresentar um desafio interessante, com o acirramento da concorrência devido ao ingresso no mercado de laboratórios farmacêuticos menores, focados na produção de medicamentos genéricos e biossimilares. Para se manter na liderança do setor biofarmacêutico, as empresas de maior porte devem continuar apostando na agilidade de suas operações e na busca constante de inovações.
Próximos passos
Entre em contato com a GHI para saber mais sobre as tendências do mercado de saúde e seu potencial impacto sobre o segmento de biofármacos na América Latina. Nossa equipe de pesquisadores está pronta para elaborar as análises de que a sua empresa necessita para ter em mãos insights valiosos e fundamentar a tomada de decisões estratégicas no setor.
Fontes:
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- https://www.thepharmaletter.com/pharmaceutical/latin-america-seeks-to-quadruple-its-participation-in-clinical-trials
- https://www.bioaccessla.com/blog/why-latin-america-leads-in-clinical-trials-exploring-the-key-factors

